sábado, 28 de março de 2009

Água, uma esperança

Marta Moriya Loyola – O Popular – 22/03/2009 – Dia Mundial da Água

Hoje, Dia da Água, temos notícias que, conquanto ainda não justifiquem comemorações, sinalizam, pelo menos, esperança de alternativas reais para a também real ameaça de escassez de água mundial. Conforme noticiado na audiência pública realizada pela Saneago, em dezembro de 2008, na qual se discutiram os impactos ambientais relacionados à barragem do Ribeirão João Leite, a perícia técnica do MP-GO constatou que a água, no ponto de captação para abastecimento, estaria, hoje, imprópria até para banhos.

Como é de conhecimento geral – e como já ocorre em diversos locais do Planeta –, é possível a transformação da água de qualquer qualidade em água potável. A análise a ser feita, contudo, diz respeito aos custos desse tratamento e à própria relação custo-benefício, porquanto é comprovado que o tratamento de água pode eliminar germes e bactérias, mas existem aspectos, como o odor e sabor, que são difíceis de serem completamente tratados (o que faz recordar o problema das algas que tivemos no final do segundo semestre de 2008, em Goiânia).

O programa Globo Rural, em outubro de 2008, noticiou prática de proteção de mananciais de abastecimento, adotada pelos municípios de Extrema e Baependi, em Minas Gerais, e Nova York, que tem surtido efeito e apontado novo caminho em termos de gestão de recursos hídricos.

No início de março, a equipe da perícia técnica ambiental do MP (seis peritos ambientais) e dois promotores de justiça, com atuação na área de urbanismo e meio ambiente, estiveram em Extrema (MG) a fim de conhecer a exitosa experiência implementada por aquele município na recuperação das nascentes e áreas de preservação permanente.

O conceito é relativamente simples: o programa produtor de água (ou conservador de água) incentiva a compensação financeira àqueles que contribuem para a proteção e recuperação de mananciais, mediante adoção de manejos e práticas conservacionistas dentro de suas propriedades rurais. Referido conceito advém da constatação de que o modelo provedor-recebedor tem se mostrado mais eficaz e lógico do que o modelo usuário-pagador ou poluidor-pagador. A idéia vem ao encontro, também, da tendência moderna de considerar que a gestão de recursos hídricos deve abranger não só os estudos técnicos como também aspectos econômico-financeiros, sociais e ambientais.

Trata-se de política inovadora, que merece destaque por promover o abrandamento da política ambiental de comando e controle estatal e por fomentar a responsabilidade socioambiental, utilizando forças de mercado para obter maiores e melhores resultados ambientais, recompensando-se financeiramente os produtores rurais que adotem práticas conservacionistas.

Nada mais lógico do que recompensar alguém que, por exemplo, planta árvores de espécies nativas que melhoram a infiltração da água no solo, reduzem a erosão, promovem sequestros de carbono, criam hábitat para vida selvagem, propiciando, de consequência, a melhoria da qualidade da água que será captada para abastecimento. É razoável e justo receber compensação pela prestação de serviços ambientais, mesmo porque as práticas adotadas podem causar restrições à atividade econômica primária.

Como mostrou a reportagem televisiva, a cidade de Nova York tinha estimado o investimento de cerca de 10 bilhões de dólares na construção de sistema de tratamento de água. Contudo, com o programa de conservação e recuperação de nascentes, obteve significativa economia, gastando, até hoje, apenas 1,5 bilhões de dólares – registrando-se, ainda, que a água não passa por sistema de tratamento químico, só de filtragem.

Como está comprovado, e já constitui fator de preocupação na Saneago, os custos do tratamento de água tendem a aumentar se a atual tendência de degradação persistir, o que, com certeza, acarretará o aumento da tarifa de água a ser paga pelo consumidor.

Outro mérito do programa, além da recuperação dos mananciais e da redução dos custos de tratamento de água, é a educação e conscientização dos produtores rurais e dos beneficiários – agentes públicos e privados, favorecidos pelos serviços ambientais resultantes de práticas de conservação da natureza.

Trata-se de solução simples e viável, que concebe a interação de fatores ambientais e socioeconômicos, sem deixar de atender ao dever de fornecimento de água de qualidade.
Marta Moriya Loyola é promotora de Justiça e atua em substituição na 15ª Promotoria de Justiça de Goiânia, com atribuições na área ambiental

A quem interessa o reservatório João Leite?

Mario Cezar Guerino - Diário da Manhã – 30/01/2009

No dia 3 de dezembro de 2008, no auditório do Ministério Público, houve uma audiência pública com o objetivo de discutir a ocupação da região do reservatório a ser formado pela Barragem do Ribeirão João Leite. Este reservatório terá a função de regularizar a vazão para o abastecimento de água à população de Goiânia e região metropolitana. A projeção é de que o Sistema João Leite seja responsável pelo abastecimento de 75% da população de Goiânia.

Por se tratar de um reservatório de acumulação, serão necessárias medidas para garantir a qualidade da água de abastecimento, pois, caso contrário, a população pagará a conta, arcando com a elevação dos custos do seu tratamento.

Dependendo do uso do solo da Bacia Hidrográfica do Ribeirão João Leite, à montante da barragem, e da ocupação da região próxima ao reservatório, pode-se criar um ambiente propício à eutrofização das águas, com proliferação de algas e outros organismos nocivos à saúde humana. É preciso que a população de Goiânia, Aparecida de Goiânia e Trindade esteja atenta, conheça as implicações da ocupação e discuta o que realmente é do seu interesse.

O centro desta discussão deve ser o interesse público, e não a implantação de grandes empreendimentos, alguns inclusive para utilização das águas do reservatório, conforme projeto que tem veiculado na grande mídia. Para nós, técnicos do setor, o que se deve é, numa parceria entre Estado, municípios, entidades e população, discutir estratégia que evite a ocupação e os riscos que esta fatalmente traria para a qualidade da água de abastecimento público.

Afinal, o que interessa mais à população: que o poder público e a sociedade organizada envidem esforços para garantir água de boa qualidade a um preço justo, ou servir aos interesses de um pequeno grupo de empresários do setor imobiliário, que almeja aproveitar a construção do reservatório para auferir lucros?Permitir a ocupação da área do reservatório por um pequeno grupo com ganância de lucro, usando um projeto turístico como pano de fundo, é, mais uma vez, deixar que subjuguem o interesse público para favorecer a poucos. É preciso ressaltar que se trata de um reservatório de abastecimento público e não simplesmente de um lago, como equivocadamente os interessados vêm se referindo.

O povo de Goiânia e região metropolitana deve participar dessa discussão. Ele, sim, é o maior interessado, porque é quem sofrerá as consequências danosas resultantes da ocupação da área próxima do reservatório.Devemos unir esforços e focar no que realmente interessa, ou seja, nas ações a serem desenvolvidas para a proteção da bacia hidrográfica do Ribeirão João Leite. Ações como campanhas educativas para a proteção dos recursos hídricos; proibição da pulverização de agrotóxicos por via aérea na bacia hidrográfica; exigência de boas práticas de conservação do solo; recomposição das matas ciliares e proteção de nascentes pelos proprietários rurais e/ou municípios; proibição de extração depredatória de areia; controle de fontes poluidoras; incentivo para a criação e atuação de Conselhos Municipais de Meio Ambiente nos municípios que compõem a bacia hidrográfica do Ribeirão João Leite.

A nós, técnicos do setor, parece leviano assistir passivamente a repetição de exemplos como os reservatórios Billings e Guarapiranga, em São Paulo. É nossa responsabilidade lutar para que a realidade de Goiás seja diferente. Deixar que projetos de ocupação da área do reservatório da barragem do João Leite sejam executados, que a especulação imobiliária seja maior que o interesse público, que degradem o meio ambiente e poluam para depois, às custas do cidadão, gastar dinheiro para recuperar e despoluir, é, no mínimo, trilhar penosos caminhos já percorridos.

Entendemos que é preciso conscientização, incentivo, orientação técnica e fiscalização, para que as terras da bacia do Ribeirão João Leite, à montante da barragem, seja explorada economicamente (preferencialmente com agricultura extensiva e projetos de reflorestamento), com a utilização de técnicas corretas, para que produzam o menor impacto possível na qualidade da água do reservatório.
Mario Cezar Guerino é engenheiro civil e presidente da Associação dos Engenheiros da Saneago
OPINIÃO DO LEITOR / DIÁRIO DA MANHÃ

Luiz Carlos Mendes - 30/01/2009 lcdm.adv@...

O Estado de Goiás fez, em 1992, a opção de criar o Parque Estadual "Altamiro de Moura Pacheco" e, mais tarde, criou a Area de Proteção Ambiental (APA) da Bacia do Ribeirão João Leite, para igualmente proteger as nascentes e todo o curso daquele ribeirão, que vai abastecer o grande reservatório de água destinado a atender a população de Goiânia e municípios vizinhos. Esta opção, em defesa do meio ambiente, deve ser respeitada, para garantir a qualidade de vida desta e das futuras gerações. Daí a importância deste alerta feita pelo presidente da Associação dos Engenheiros da Saneago, Mário Guerino, que conclama a sociedade e especialmente os órgãos ambientais para a defesa daquela região. A implantação do chamado Projeto "Goiânia do 3º Milênio", com a construção de hotéis, parques temáticos, a transferência do Jardim Zoologico e do Parque Agropecuário de Goiânia, significa o fim do Parque Ecologico Altamiro de Moura Pacheco e o comprometimento defitivo da qualiade da água na bacia do Ribeirão João Leite. A sociedade deve estar atenta para não permitir que o interesse imobiliário venha destruir uma das mais importantes e belas reservas ambientais de Goiás. Cód: 25519

quinta-feira, 26 de março de 2009

Ainda nas águas do João Leite

Washington Novaes – O Popular – 28/01/09

Na semana passada, representantes de 60 países reuniram-se em Roma numa discussão preparativa (é a quarta) do 3º Fórum Mundial da Água, que se realizará em março, em Istambul, Turquia. Os vários ângulos das graves questões relacionadas com a chamada “crise da água” estiveram em foco – e a tônica comum foi o pedido de urgência no encaminhamento das soluções, já que a própria ONU prevê que até meados do século mais de metade da humanidade estará sofrendo com o drama (hoje já são mais de um bilhão).

O Brasil é um país relativamente privilegiado em matéria de recursos hídricos, já que conta com cerca de 12% da água superficial do Planeta – embora mais de 70% desses recursos estejam no bioma amazônico, que tem menos de 10% da população total. Mas, segundo a Agência Nacional de Águas, todas as bacias hidrográficas, da Bahia ao extremo Sul do País, estão em situação “crítica”, por poluição, assoreamento ou conflitos pelo uso. Impõe-se, portanto, uma postura de extrema cautela, ainda mais lembrando que cerca de metade da população nacional não conta em seus domicílios com redes de esgotos; e dos esgotos coletados, menos de 20% recebem algum tipo de tratamento (geralmente, apenas o primário, que só remove metade da carga orgânica e devolve o restante aos cursos dágua, sem tratar da poluição química e outros problemas). Outra grave questão está na ocupação das margens de rios e remoção da vegetação protetora, seja por atividades agrícolas, seja pela ocupação urbana – até mesmo nas margens de reservatórios destinados ao abastecimento das cidades.

Também na semana passada, esse problema esteve em evidência na comunicação em Goiânia e em São Paulo. Aqui, por causa do projeto de um complexo ecoturístico às margens do reservatório do Rio João de Leite, que deverá armazenar água para 1,5 milhão de pessoas. Em São Paulo, por causa do agravamento da situação às margens dos reservatórios de Guarapiranga e Billings (onde vivem, ilegalmente, 1,5 milhão de pessoas, ocupando 35% das áreas marginais), que abastecem 5 milhões de pessoas, das 6 represas do sistema Cantareira (que abastecem 2 milhões) e de várias outras no interior do Estado.

Nas discussões em Goiânia, alguns argumentos têm sido levantados para criticar a oposição da Saneago a um projeto ecoturístico que possa comprometer a qualidade das águas, assim como a outras propostas (transferência do Jardim Zoológico e do parque agropecuário de exposições para áreas próximas). Alega-se que os prefeitos de municípios vizinhos e algumas instituições não têm sido ouvidos e que em lugar do veto ao projeto se deveria pensar em utilizar ali compensações pagas por usinas hidrelétricas para adequar a área, entre outras razões.

Em artigo neste jornal (27/12/08), a promotora de Justiça Marta Moriya Loyola respondeu a vários desses argumentos e acrescentou muitas razões para preocupação com o projeto. Já hoje a condição das águas que fluirão para o reservatório é preocupante, até mesmo para quem queira banhar-se ali, tal o índice de fósforo, Escherichia coli e outros poluentes, boa parte provinda de agrotóxicos e fertilizantes carreados ao longo do curso, assim como dos esgotos domésticos e industriais despejados em uma bacia “de alta suscetibilidade a processos erosivos”. Fora o fato de as margens do reservatório estarem incluídas numa Área de Proteção Ambiental. A seu ver, é preciso respeitá-la e exigir a implantação de estações de tratamento de esgotos em aterros sanitários ao longo de toda a bacia.

Além disso, há argumentos já expostos pela Saneago e que continuam sem resposta. Como se vai pensar, por exemplo, em complexo ecoturístico ao lado de um reservatório que pode ter a cota de suas águas baixada ou elevada em mais de 10 metros? Como pensar em implantar ali qualquer coisa? E quem arcará com a triplicação do custo de tratamento das águas para torná-las adequadas ao consumo humano na cidade? Não dá para pensar em utilizar compensações pagas por usinas hidrelétricas, como tem sido argumentado: os recursos daí advindos são todos destinados à Agência Nacional de Águas. E desde que criada a compensação pela Lei de Recursos Hídricos, há mais de uma década, todos os pagamentos têm sido contingenciados pelo Tesouro Nacional, para ajudar o superávit fiscal, num volume maior até que o próprio orçamento da Agência Nacional de Águas (!).

É preciso ouvir todas as opiniões. Mas insistir: Goiás deve redobrar os cuidados com os recursos hídricos, principalmente com as bacias do Meia Ponte (já em situação muito crítica) e do João Leite – sem falar no Araguaia e em seu extraordinário potencial para um plano de desenvolvimento turístico e cultural. Segundo estudos do IBGE mencionados por este jornal (13/1/9), 59,3% dos municípios goianos enfrentam problemas com assoreamento de rios, lagoas e outros corpos dágua. Não podemos permitir que a situação da água no Estado se agrave mais. E o abastecimento humano – dizem todos os regulamentos no mundo e no País – deve ser o objetivo prioritário, anteceder qualquer outro. Todo cuidado é pouco.

Washington Novaes é jornalista.

terça-feira, 24 de março de 2009

A Disneylândia do Cerrado


A grande ameaça ao Parque Ecológico Altamiro de Moura e à APA do João Leite é o projeto turístico denominado "Goiânia do Terceiro Milênio" ou "Disneylândia do Cerrado".

É um projeto idealizado pela secretaria de Turismo da Prefeitura de Goiânia e que, se implantado, representa o fim daquela área de preservação ecológica. Veja os detalhes deste projeto em matéria publicada no jornal Opção.

A Disneylândia do cerrado

DANIN JÚNIOR - Jornal Opção - Goiânia, 18 de janeiro de 2008

O risco de parecer piegas não incomodou o novo secretário municipal de Turismo, o ex-deputado Euler Moraes, ao encerrar a apresentação (em PowerPoint) de seu mais notório projeto com frases do tipo "Um sonho só é um sonho se você sonha só. Se você sonha junto é realidade" ou "Não são os recursos que limitam os planos, mas os planos que limitam os recursos".
Na verdade, ele pode estar certo: para dimensionar o projeto Goiânia 3º Milênio é preciso pensar grande e talvez se afastar um pouco do racionalismo típico desses tempos de arrocho fiscal.

O apego incondicional de Euler Moraes a esse projeto já rendeu algumas brincadeiras no meio político. Principalmente porque ele abriu um flanco. Há alguns meses, Moraes usou a maquete virtual do projeto nas pílulas televisivas de seu partido, o PSC. Sem acesso a maiores detalhes, muitos observadores estranharam e surgiu a pilhéria de que a propaganda partidária do PSC ficou mais parecendo a publicidade de algum projeto imobiliário. Sobre as pílulas, Moraes diz que era a única forma de divulgar o Goiânia 3º Milênio. E mais: a aparição na TV teria rendido vários convites para palestras com empresários e entidades.

A determinação do ex-deputado, muito identificado com a ala do ex-senador Maguito Vilela no PMDB, parece ter cativado o prefeito Iris Rezende. O novo secretário afirma que condicionou sua entrada no governo municipal ao apoio do peemedebista à proposta, inclusive com o compromisso de levá-la ao governador Alcides Rodrigues (PP). "O prefeito encampou a idéia e, pela dimensão do projeto, compreendeu que precisará de uma força suprapartidária para torná-lo realidade", diz Moraes. A audiência com o pepista é esperada, com ansiedade, para breve, já que seria inconcebível imaginar um projeto dessa envergadura sem o aval do Palácio das Esmeraldas.

Potencial

— E o que é, afinal, o Goiânia 3º Milênio? Pacientemente, Moraes explica o projeto desde os seus primórdios. "A idéia surgiu em 1996, a partir da análise dos problemas e dos potenciais de Goiânia". Nessa avaliação, o ex-deputado concluiu que a Capital, mesmo oferecendo boa qualidade de vida para parte significativa da população, ainda não possui atrativos nem cumpre os requisitos que a tornariam uma cidade-referência do novo milênio - infra-estrutura de transporte eficiente, sustentabilidade ambiental e opções de entretenimento, de acordo com a Federação Mundial do Desenvolvimento, citada por ele.

Essas especulações teriam levado Moraes a estabelecer três fatores estratégicos para a capital. O primeiro deles envolve o uso do Parque Ecológico de Goiânia (o nome oficial é Parque de Preservação Ambiental e Florestal Ulysses Guimarães), na região nordeste do município. "O parque está abandonado. Não serve à população como fonte de entretenimento sustentável nem como fator de conscientização já que a comunidade não tem praticamente consciência de sua existência", diz o secretário, argumentando que, nas atuais condições, a área está mais exposta a depredações.

O segundo fator estratégico pensado por Euler Moraes diz respeito ao grande lago que será formado com a conclusão da barragem do Ribeirão João Leite e sua preocupação é semelhante à relativa ao parque. Ele indaga qual será o projeto de ocupação das margens do lago. "Proibir tudo é o mesmo que proibir nada", diz o secretário de Turismo, lembrando que, a exemplo do parque, a falta de ocupação racional abre espaço para ações desordenadas. O terceiro fator diz respeito à criação de um anel viário, com a criação de um terminal de cargas (desafogando Campinas).

Equipamentos

— Ocupação racional da maior área verde e das margens do futuro maior lago da Capital, portanto, é a idéia central do projeto Goiânia 3º Milênio. Sem meias palavras, seria a efetivação do maior plano de expansão turística já visto no Brasil, caso todas as suas idéias sejam realizadas ao mesmo tempo. O projeto prevê a instalação de diversos equipamentos (ver quadro), quase todos dimensionados para um público de porte nacional: hotéis, mirantes, teleféricos, marinas, parques de diversão, museus, centros comerciais, condomínios residenciais, centros poliesportivos, pistas e trilhas para passeios a pé, de bicicleta e a cavalo, além de áreas para o novo parque agropecuário e o novo zoológico.

A grandiosidade remete a uma espécie de Disneylândia do cerrado. Sem conhecer as idéias de Euler Moraes em detalhes, o arquiteto Luiz Fernando Cruvinel, o Xibiu, elogia as premissas do projeto. Segundo ele, Goiânia precisa encontrar seu caminho para o desenvolvimento, "senão será sempre a periferia de Brasília". Xibiu concorda que a ocupação das margens do lago e um melhor aproveitamento do parque devem ser discutidos. Mas antevê problemas para o licenciamento ambiental de alguns dos equipamentos. O parque agropecuário, por exemplo, seria muito poluente: "Eventos de massa (como a exposição agropecuária) podem incomodar uma reserva ecológica até mesmo pelo barulho".

Além disso, o arquiteto lembra que nenhuma instalação deve desviar o foco do principal objetivo do lago, que é garantia de água para a cidade.
Euler Moraes diz que o projeto está em "fase preliminar de zoneamento". Segundo ele, um grupo de empresários já garantiu apoio à proposta — resultado da série de debates que promoveu na Acieg, na Fieg, na SGPA e com representantes do setor turístico. O momento, no entanto, é de espera: se Alcides Rodrigues confirmar o apoio do Estado, o secretário municipal espera criar uma comissão sócio-ambiental para formalizar o projeto.

Problemas como o da falta de recursos e a dificuldade com o licenciamento ambiental não o preocupam. Nada o demove da certeza de que outros já estão sonhando junto com ele. Projeto prevê múltiplas instalações O complexo turístico Goiânia 3º Milênio, imaginado por Euler Moraes e encampado pela prefeitura, seria o maior projeto desse gênero já implantado no Brasil. Os estudos iniciais prevêem a instalação de diversos equipamentos nas margens do futuro lago do Ribeirão João Leite.

Novo Parque Agropecuário — A proposta resolveria um dos maiores impasses urbanísticos da Capital, com a transferência da exposição agropecuária para uma região menos adensada. O projeto ainda prevê um centro comercial especializado em produtos agropecuários e outros estabelecimentos especializados na cultura country, com potencial para ser o maior do país.

Novo e moderno zoológico — Também responderia à demanda urbanística de remoção do Zoológico atual — encravado em uma das regiões mais adensadas de Goiânia. As novas instalações funcionariam ao estilo do Simba Safári, de São Paulo, com simulações de habitat maiores para cada espécie e visitação com veículos automotores.

Condomínios, loteamentos e chácaras — O projeto prevê a liberação de áreas para uso residencial no complexo turístico. Assim como as outras instalações, esses projetos imobiliários devem cumprir todos os preceitos do ecologicamente correto. Parte dos investimentos em infra-estrutura necessários para levantar o complexo pode sair da parceria com incorporadoras interessadas em abrir uma nova frente de negócios.

Hotel-fazenda — A boa integração com a natureza, praticamente dentro do Parque Ecológico de Goiânia, possibilitaria a criação de um dos melhores hotéis do gênero. A culinária típica e os passeios (a pé ou a cavalo), por trilhas na mata extensa, seriam os maiores atrativos.

Hotel com mirante — O projeto também prevê a criação de um hotel, às margens do lago, dotado de uma torre gigantesca. O mirante propiciaria uma visão panorâmica do complexo turístico, tendo ao fundo os prédios do centro urbano de Goiânia.

Shopping center modular — O complexo turístico deverá conter um centro de compras para atender a demanda dos visitantes. A idéia é utilizar um projeto modular, que comece pequeno e, com o tempo, ganhe novas lojas. De acordo com o projeto, esse shopping pode se tornar o maior da cidade, caso se confirme o grande afluxo de turistas.

Centro automotivo — A aparente paixão do goianiense por carros (uma das maiores frotas proporcionais do país) também foi lembrada no projeto do complexo turístico. A concentração do comércio de veículos e acessórios, além da prestação de serviços especializados, poderá ser mais um atrativo para os visitantes.

Quartel da Polícia Florestal — Responsável emblemática da região do parque, a Polícia Florestal ganharia uma sede com ares de point turístico. O prédio deverá ter arquitetura diferenciada e atrair a visitação de estudantes (sempre destacando o conteúdo ambiental).

Cavalariça — Integrada às instalações da Polícia Federal, a cavalariça poderia ampliar o acesso da comunidade aos esportes hípicos. Além de trilhas e pistas para cilcismo, o parque seria dotado de trilhas para passeios a cavalo.

Museu histórico do índio — O projeto do complexo turístico inclui a implantação de um museu em homenagem aos povos indígenas que ocuparam a região até a chegada dos bandeirantes. Visitas ao sítio arqueológico dos caiapós, nas proximidades do parque, também estariam na agenda.

Praça de eventos — Outra demanda urbanística de Goiânia, essa instalação abrigaria grandes espetáculos populares e resolveria o problema de moradores de regiões afetadas por micaretas e eventos afins (como ocorre anualmente no autódromo).

Marina — O grande lago, de 16 quilômetros de extensão, possibilitaria a prática de esportes náuticos não-poluentes, como as regatas. O projeto aposta inclusive no surgimento, inédito em Goiânia, de um culto a esses esportes.

Centro poliesportivo — Além dos esportes náuticos, do ciclismo e do hipismo, o projeto prevê o incentivo à prática de outras modalidades, com a instalação de um completo centro poliesportivo para atender a comunidade e os turistas.

Parque aquático — A fartura de água, proporcionada pelo lago, pode facilitar a implantação de um grande parque aquático nos moldes do Beach Park (em Fortaleza) e do Hot Park (em Rio Quente). Seria mais um atrativo turístico inédito em Goiânia.

Teleféricos e mirantes — Grande parte da área do complexo turístico poderia ser percorrida em teleféricos. Os bondinhos suspensos levariam os visitantes, dando acesso a mirantes instalados nas duas margens do lago. Idéias ousadas podem ajudar o turismo Intervenções urbanísticas ou arquitetônicas, muitas vezes consideradas hiperbólicas em seu nascedouro, acabaram ajudando a desenvolver o turismo em diversas cidades pelo mundo.

A seguir, três exemplos marcantes de como essas intervenções podem ser bem exploradas.

Bilbao — Aberto ao público em outubro de 1997, o Museu Guggenheim de Bilbao, na Espanha, custou cem milhões de dólares ao governo basco, que entregou a curadoria artística à Solomon R. Guggenheim Foundation. O prédio desenhado pelo norte-americano Frank Ghery, revestido de placas de aço e titânio, transformou-se em ícone da arquitetura contemporânea. Mais do que isso, em seus dez anos, o "museu-barco" cumpriu integralmente o propósito de revitalizar a decadente cidade portuária. Bilbao recebia anualmente dois milhões de visitantes. Hoje, são sete milhões de turistas a cada ano. Uma curiosidade: em abril de 2003, o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, assinou com a fundação norte-americana um convênio para o que seria o primeiro museu Guggenheim na América Latina. Uma sentença judicial considerou o contrato inconstitucional e lesivo aos cofres públicos. De vez em quando, Maia ainda fala sobre o museu, mas o projeto continua na estaca zero.

Lisboa — Para receber a Exposição Mundial de 1998 (Expo-98), as autoridades portuguesas decidiram investir em um grande projeto de revitalização urbana no estuário do Rio Tejo (região industrial decadente no leste de Lisboa). Idéias urbanísticas e arquitetônicas arrojadas foram reunidas no que passou a se chamar Parque das Nações - atualmente a maior atração turística da capital lusitana. Além dos dois grandes pavilhões que abrigaram o evento e que agora são usados em convenções e produções culturais, o plano incluiu outros equipamentos extraordinários (como o Oceanário, a Ponte e a Torre Vasco da Gama, a Estação Oriente e um sistema de teleféricos), bem como áreas verdes e estacionamentos. Desde o início, o Conselho de Lisboa optou por incluir áreas residenciais no projeto para otimizar o uso da infra-estrutura e efetivar a revitalização. Cerca de 15 mil lisboetas moram nessas áreas, que podem receber mais 10 mil moradores no futuro.

Dubai — A cidade-estado de um milhão de habitantes, nos Emirados Árabes Unidos, talvez seja o exemplo contemporâneo mais dramático de investimento em turismo. Com o apoio do governo, os empreendedores locais investem pesado em algumas das mais bombásticas maravilhas turísticas da atualidade. O primeiro hotel subaquático do mundo (Hydropolis) custou 500 milhões de dólares à mesma empresa que está investindo um bilhão de dólares em um resort sobre ilhas artificiais. A torre mais alta do planeta (Burj Dubai) ficará pronta em alguns anos a poucas quadras daquele que também se anuncia como o maior shopping center da Terra (Dubai Mall), com espaço para 1.200 lojas. O calor extremo do deserto não intimidou os empresários a fabricarem neve para uma das maiores pistas de esqui in-door do mundo. O turismo já representa 30 por cento da economia de Dubai e a idéia é multiplicar o número de turistas (seis milhões ao ano) e depender menos do petróleo.

Veja no jornal:

http://www.jornalopcao.com.br/index.asp?secao=Reportagens&idjornal=267&idrep=2479

Preservar o João Leite

Barragem do Ribeirão Leite



Neste artigo a promotora Marta Moriya Loyola, do Ministério Público Estadual, comenta a realização de audiência pública convocada pela Saneago para discutir os impactos ambientais da barragem do Ribeirão João Leite.

"Durante a audiência pública da Saneago, manifestou-se a preocupação acerca de empreendimento denominado Goiânia - 3º Milênio, que propõe macrozoneamento ambiental e turístico da bacia, indicando ainda a possibilidade de implantação do novo Parque Agropecuário de Goiânia e do novo zoológico em área rural do município de Goiânia, próxima ao Parque Estadual Altamiro de Moura Pacheco".



Preservar o João Leite
Marta Moriya Loyola – O Popular – 27/12/08


Realizou-se, no dia 3/12/08, audiência pública convocada pela Saneago, com a finalidade de discutir os impactos ambientais relacionados à barragem do Ribeirão João Leite, que tem previsão de fechamento de comportas para março de 2009. Compareceram ao auditório do Ministério Público representantes de diversos segmentos da sociedade, o que deixa evidente a preocupação de todos com o futuro do sistema que vai garantir o abastecimento de água de Goiânia nos próximos anos.

O Ministério Público, considerando a questão prioritária e urgente, determinou à sua equipe de peritos ambientais a realização de um estudo técnico com a finalidade de diagnosticar a atual situação ambiental da Bacia do João Leite e mapear os empreendimentos possíveis na bacia, que não comprometessem a qualidade e quantidade de água do reservatório, porquanto se trata da água que vai ser consumida por cerca de 1,5 milhão de pessoas.

As conclusões do estudo foram, no mínimo, preocupantes.

A equipe técnica do Ministério Público preocupou-se em investigar a qualidade da água bruta na bacia e, analisando dados de análises físico-químicas e bacteriológicas realizadas no período de janeiro de 2007 a agosto de 2008, constatou que o Ribeirão João Leite, de acordo com resoluções que regem a matéria (Conama 274/2000), não apresenta sequer condições de balneabilidade, ou seja, seria imprópria até para banhos (recreação de contato primário), por apresentar índices inadequados de fósforo e Escherichia coli.

Referidos índices seriam resultantes da contaminação da água por diversos fatores, tais como: uso indiscriminado e descontrolado de agrotóxicos e fertilizantes (que são carreados aos cursos d’água), lançamento clandestino de esgotos domésticos e industriais e destruição de áreas de preservação permanente.

Outro aspecto relevante, detectado pela perícia, refere-se à grande suscetibilidade do solo da bacia do Ribeirão João Leite a processos erosivos. Como é sabido, a atividade humana é um fator que desencadeia e acelera processos erosivos, seja pela eliminação da vegetação nativa, seja pelo uso de práticas agrícolas inadequadas. Assim, imprescindível que qualquer empreendimento na Área de Preservação Permanente (APA) do João Leite seja precedido de minuciosa avaliação prévia de impacto ambiental, assim como se deve exigir a adequação ambiental das ocupações ali já existentes como, por exemplo, a implementação de sistema de esgotamento sanitário e estação de tratamento de esgoto em todos os municípios que compõem a bacia, implementação de aterros sanitários efetivos, bem como planos de gerenciamento integrado de resíduos sólidos e projetos de recuperação de áreas de preservação permanente objetos de processos erosivos.

Durante a audiência pública da Saneago, manifestou-se a preocupação acerca de empreendimento denominado Goiânia - 3º Milênio, que propõe macrozoneamento ambiental e turístico da bacia, indicando ainda a possibilidade de implantação do novo Parque Agropecuário de Goiânia e do novo zoológico em área rural do município de Goiânia, próxima ao Parque Estadual Altamiro de Moura Pacheco.

A preocupação dos órgãos ambientais e de segmentos da sociedade que têm se manifestado contrariamente ao empreendimento é pertinente, porquanto se trata da ocupação de área contígua ao reservatório que vai abastecer o município de Goiânia. De fato, o projeto merece acompanhamento e deverá obrigatoriamente se adequar à legislação restritiva à ocupação da APA. Todavia, a preocupação dos órgãos ambientais e da Saneago não pode, de modo algum, se resumir a isso, tendo em vista que o estudo demonstrou que a água que formará o reservatório em futuro próximo já está sendo contaminada, ao longo de seu curso, pelas mais diversas fontes poluidoras.


Conquanto se saiba que a tecnologia hoje torna possível o tratamento de água bruta de qualquer qualidade, tornando-a potável, os custos do tratamento e, sobretudo, a preocupação ambiental em despoluir os nossos mananciais devem nortear as nossas ações visando à recuperação do que já está degradado e à prevenção de futuras degradações, englobando toda a bacia hidrográfica, valendo-se de atuação preventiva, repressiva, e implementação de mecanismos criativos de fiscalização e controle ambiental já utilizados em outras regiões.


Marta Moriya Loyola é promotora de Justiça e atua na 15ª Promotoria de Goiânia, especializada na defesa do meio ambiente – O Popular – 27/12/08