terça-feira, 24 de março de 2009

A Disneylândia do Cerrado


A grande ameaça ao Parque Ecológico Altamiro de Moura e à APA do João Leite é o projeto turístico denominado "Goiânia do Terceiro Milênio" ou "Disneylândia do Cerrado".

É um projeto idealizado pela secretaria de Turismo da Prefeitura de Goiânia e que, se implantado, representa o fim daquela área de preservação ecológica. Veja os detalhes deste projeto em matéria publicada no jornal Opção.

A Disneylândia do cerrado

DANIN JÚNIOR - Jornal Opção - Goiânia, 18 de janeiro de 2008

O risco de parecer piegas não incomodou o novo secretário municipal de Turismo, o ex-deputado Euler Moraes, ao encerrar a apresentação (em PowerPoint) de seu mais notório projeto com frases do tipo "Um sonho só é um sonho se você sonha só. Se você sonha junto é realidade" ou "Não são os recursos que limitam os planos, mas os planos que limitam os recursos".
Na verdade, ele pode estar certo: para dimensionar o projeto Goiânia 3º Milênio é preciso pensar grande e talvez se afastar um pouco do racionalismo típico desses tempos de arrocho fiscal.

O apego incondicional de Euler Moraes a esse projeto já rendeu algumas brincadeiras no meio político. Principalmente porque ele abriu um flanco. Há alguns meses, Moraes usou a maquete virtual do projeto nas pílulas televisivas de seu partido, o PSC. Sem acesso a maiores detalhes, muitos observadores estranharam e surgiu a pilhéria de que a propaganda partidária do PSC ficou mais parecendo a publicidade de algum projeto imobiliário. Sobre as pílulas, Moraes diz que era a única forma de divulgar o Goiânia 3º Milênio. E mais: a aparição na TV teria rendido vários convites para palestras com empresários e entidades.

A determinação do ex-deputado, muito identificado com a ala do ex-senador Maguito Vilela no PMDB, parece ter cativado o prefeito Iris Rezende. O novo secretário afirma que condicionou sua entrada no governo municipal ao apoio do peemedebista à proposta, inclusive com o compromisso de levá-la ao governador Alcides Rodrigues (PP). "O prefeito encampou a idéia e, pela dimensão do projeto, compreendeu que precisará de uma força suprapartidária para torná-lo realidade", diz Moraes. A audiência com o pepista é esperada, com ansiedade, para breve, já que seria inconcebível imaginar um projeto dessa envergadura sem o aval do Palácio das Esmeraldas.

Potencial

— E o que é, afinal, o Goiânia 3º Milênio? Pacientemente, Moraes explica o projeto desde os seus primórdios. "A idéia surgiu em 1996, a partir da análise dos problemas e dos potenciais de Goiânia". Nessa avaliação, o ex-deputado concluiu que a Capital, mesmo oferecendo boa qualidade de vida para parte significativa da população, ainda não possui atrativos nem cumpre os requisitos que a tornariam uma cidade-referência do novo milênio - infra-estrutura de transporte eficiente, sustentabilidade ambiental e opções de entretenimento, de acordo com a Federação Mundial do Desenvolvimento, citada por ele.

Essas especulações teriam levado Moraes a estabelecer três fatores estratégicos para a capital. O primeiro deles envolve o uso do Parque Ecológico de Goiânia (o nome oficial é Parque de Preservação Ambiental e Florestal Ulysses Guimarães), na região nordeste do município. "O parque está abandonado. Não serve à população como fonte de entretenimento sustentável nem como fator de conscientização já que a comunidade não tem praticamente consciência de sua existência", diz o secretário, argumentando que, nas atuais condições, a área está mais exposta a depredações.

O segundo fator estratégico pensado por Euler Moraes diz respeito ao grande lago que será formado com a conclusão da barragem do Ribeirão João Leite e sua preocupação é semelhante à relativa ao parque. Ele indaga qual será o projeto de ocupação das margens do lago. "Proibir tudo é o mesmo que proibir nada", diz o secretário de Turismo, lembrando que, a exemplo do parque, a falta de ocupação racional abre espaço para ações desordenadas. O terceiro fator diz respeito à criação de um anel viário, com a criação de um terminal de cargas (desafogando Campinas).

Equipamentos

— Ocupação racional da maior área verde e das margens do futuro maior lago da Capital, portanto, é a idéia central do projeto Goiânia 3º Milênio. Sem meias palavras, seria a efetivação do maior plano de expansão turística já visto no Brasil, caso todas as suas idéias sejam realizadas ao mesmo tempo. O projeto prevê a instalação de diversos equipamentos (ver quadro), quase todos dimensionados para um público de porte nacional: hotéis, mirantes, teleféricos, marinas, parques de diversão, museus, centros comerciais, condomínios residenciais, centros poliesportivos, pistas e trilhas para passeios a pé, de bicicleta e a cavalo, além de áreas para o novo parque agropecuário e o novo zoológico.

A grandiosidade remete a uma espécie de Disneylândia do cerrado. Sem conhecer as idéias de Euler Moraes em detalhes, o arquiteto Luiz Fernando Cruvinel, o Xibiu, elogia as premissas do projeto. Segundo ele, Goiânia precisa encontrar seu caminho para o desenvolvimento, "senão será sempre a periferia de Brasília". Xibiu concorda que a ocupação das margens do lago e um melhor aproveitamento do parque devem ser discutidos. Mas antevê problemas para o licenciamento ambiental de alguns dos equipamentos. O parque agropecuário, por exemplo, seria muito poluente: "Eventos de massa (como a exposição agropecuária) podem incomodar uma reserva ecológica até mesmo pelo barulho".

Além disso, o arquiteto lembra que nenhuma instalação deve desviar o foco do principal objetivo do lago, que é garantia de água para a cidade.
Euler Moraes diz que o projeto está em "fase preliminar de zoneamento". Segundo ele, um grupo de empresários já garantiu apoio à proposta — resultado da série de debates que promoveu na Acieg, na Fieg, na SGPA e com representantes do setor turístico. O momento, no entanto, é de espera: se Alcides Rodrigues confirmar o apoio do Estado, o secretário municipal espera criar uma comissão sócio-ambiental para formalizar o projeto.

Problemas como o da falta de recursos e a dificuldade com o licenciamento ambiental não o preocupam. Nada o demove da certeza de que outros já estão sonhando junto com ele. Projeto prevê múltiplas instalações O complexo turístico Goiânia 3º Milênio, imaginado por Euler Moraes e encampado pela prefeitura, seria o maior projeto desse gênero já implantado no Brasil. Os estudos iniciais prevêem a instalação de diversos equipamentos nas margens do futuro lago do Ribeirão João Leite.

Novo Parque Agropecuário — A proposta resolveria um dos maiores impasses urbanísticos da Capital, com a transferência da exposição agropecuária para uma região menos adensada. O projeto ainda prevê um centro comercial especializado em produtos agropecuários e outros estabelecimentos especializados na cultura country, com potencial para ser o maior do país.

Novo e moderno zoológico — Também responderia à demanda urbanística de remoção do Zoológico atual — encravado em uma das regiões mais adensadas de Goiânia. As novas instalações funcionariam ao estilo do Simba Safári, de São Paulo, com simulações de habitat maiores para cada espécie e visitação com veículos automotores.

Condomínios, loteamentos e chácaras — O projeto prevê a liberação de áreas para uso residencial no complexo turístico. Assim como as outras instalações, esses projetos imobiliários devem cumprir todos os preceitos do ecologicamente correto. Parte dos investimentos em infra-estrutura necessários para levantar o complexo pode sair da parceria com incorporadoras interessadas em abrir uma nova frente de negócios.

Hotel-fazenda — A boa integração com a natureza, praticamente dentro do Parque Ecológico de Goiânia, possibilitaria a criação de um dos melhores hotéis do gênero. A culinária típica e os passeios (a pé ou a cavalo), por trilhas na mata extensa, seriam os maiores atrativos.

Hotel com mirante — O projeto também prevê a criação de um hotel, às margens do lago, dotado de uma torre gigantesca. O mirante propiciaria uma visão panorâmica do complexo turístico, tendo ao fundo os prédios do centro urbano de Goiânia.

Shopping center modular — O complexo turístico deverá conter um centro de compras para atender a demanda dos visitantes. A idéia é utilizar um projeto modular, que comece pequeno e, com o tempo, ganhe novas lojas. De acordo com o projeto, esse shopping pode se tornar o maior da cidade, caso se confirme o grande afluxo de turistas.

Centro automotivo — A aparente paixão do goianiense por carros (uma das maiores frotas proporcionais do país) também foi lembrada no projeto do complexo turístico. A concentração do comércio de veículos e acessórios, além da prestação de serviços especializados, poderá ser mais um atrativo para os visitantes.

Quartel da Polícia Florestal — Responsável emblemática da região do parque, a Polícia Florestal ganharia uma sede com ares de point turístico. O prédio deverá ter arquitetura diferenciada e atrair a visitação de estudantes (sempre destacando o conteúdo ambiental).

Cavalariça — Integrada às instalações da Polícia Federal, a cavalariça poderia ampliar o acesso da comunidade aos esportes hípicos. Além de trilhas e pistas para cilcismo, o parque seria dotado de trilhas para passeios a cavalo.

Museu histórico do índio — O projeto do complexo turístico inclui a implantação de um museu em homenagem aos povos indígenas que ocuparam a região até a chegada dos bandeirantes. Visitas ao sítio arqueológico dos caiapós, nas proximidades do parque, também estariam na agenda.

Praça de eventos — Outra demanda urbanística de Goiânia, essa instalação abrigaria grandes espetáculos populares e resolveria o problema de moradores de regiões afetadas por micaretas e eventos afins (como ocorre anualmente no autódromo).

Marina — O grande lago, de 16 quilômetros de extensão, possibilitaria a prática de esportes náuticos não-poluentes, como as regatas. O projeto aposta inclusive no surgimento, inédito em Goiânia, de um culto a esses esportes.

Centro poliesportivo — Além dos esportes náuticos, do ciclismo e do hipismo, o projeto prevê o incentivo à prática de outras modalidades, com a instalação de um completo centro poliesportivo para atender a comunidade e os turistas.

Parque aquático — A fartura de água, proporcionada pelo lago, pode facilitar a implantação de um grande parque aquático nos moldes do Beach Park (em Fortaleza) e do Hot Park (em Rio Quente). Seria mais um atrativo turístico inédito em Goiânia.

Teleféricos e mirantes — Grande parte da área do complexo turístico poderia ser percorrida em teleféricos. Os bondinhos suspensos levariam os visitantes, dando acesso a mirantes instalados nas duas margens do lago. Idéias ousadas podem ajudar o turismo Intervenções urbanísticas ou arquitetônicas, muitas vezes consideradas hiperbólicas em seu nascedouro, acabaram ajudando a desenvolver o turismo em diversas cidades pelo mundo.

A seguir, três exemplos marcantes de como essas intervenções podem ser bem exploradas.

Bilbao — Aberto ao público em outubro de 1997, o Museu Guggenheim de Bilbao, na Espanha, custou cem milhões de dólares ao governo basco, que entregou a curadoria artística à Solomon R. Guggenheim Foundation. O prédio desenhado pelo norte-americano Frank Ghery, revestido de placas de aço e titânio, transformou-se em ícone da arquitetura contemporânea. Mais do que isso, em seus dez anos, o "museu-barco" cumpriu integralmente o propósito de revitalizar a decadente cidade portuária. Bilbao recebia anualmente dois milhões de visitantes. Hoje, são sete milhões de turistas a cada ano. Uma curiosidade: em abril de 2003, o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, assinou com a fundação norte-americana um convênio para o que seria o primeiro museu Guggenheim na América Latina. Uma sentença judicial considerou o contrato inconstitucional e lesivo aos cofres públicos. De vez em quando, Maia ainda fala sobre o museu, mas o projeto continua na estaca zero.

Lisboa — Para receber a Exposição Mundial de 1998 (Expo-98), as autoridades portuguesas decidiram investir em um grande projeto de revitalização urbana no estuário do Rio Tejo (região industrial decadente no leste de Lisboa). Idéias urbanísticas e arquitetônicas arrojadas foram reunidas no que passou a se chamar Parque das Nações - atualmente a maior atração turística da capital lusitana. Além dos dois grandes pavilhões que abrigaram o evento e que agora são usados em convenções e produções culturais, o plano incluiu outros equipamentos extraordinários (como o Oceanário, a Ponte e a Torre Vasco da Gama, a Estação Oriente e um sistema de teleféricos), bem como áreas verdes e estacionamentos. Desde o início, o Conselho de Lisboa optou por incluir áreas residenciais no projeto para otimizar o uso da infra-estrutura e efetivar a revitalização. Cerca de 15 mil lisboetas moram nessas áreas, que podem receber mais 10 mil moradores no futuro.

Dubai — A cidade-estado de um milhão de habitantes, nos Emirados Árabes Unidos, talvez seja o exemplo contemporâneo mais dramático de investimento em turismo. Com o apoio do governo, os empreendedores locais investem pesado em algumas das mais bombásticas maravilhas turísticas da atualidade. O primeiro hotel subaquático do mundo (Hydropolis) custou 500 milhões de dólares à mesma empresa que está investindo um bilhão de dólares em um resort sobre ilhas artificiais. A torre mais alta do planeta (Burj Dubai) ficará pronta em alguns anos a poucas quadras daquele que também se anuncia como o maior shopping center da Terra (Dubai Mall), com espaço para 1.200 lojas. O calor extremo do deserto não intimidou os empresários a fabricarem neve para uma das maiores pistas de esqui in-door do mundo. O turismo já representa 30 por cento da economia de Dubai e a idéia é multiplicar o número de turistas (seis milhões ao ano) e depender menos do petróleo.

Veja no jornal:

http://www.jornalopcao.com.br/index.asp?secao=Reportagens&idjornal=267&idrep=2479

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