Na semana passada, representantes de 60 países reuniram-se em Roma numa discussão preparativa (é a quarta) do 3º Fórum Mundial da Água, que se realizará em março, em Istambul, Turquia. Os vários ângulos das graves questões relacionadas com a chamada “crise da água” estiveram em foco – e a tônica comum foi o pedido de urgência no encaminhamento das soluções, já que a própria ONU prevê que até meados do século mais de metade da humanidade estará sofrendo com o drama (hoje já são mais de um bilhão).
O Brasil é um país relativamente privilegiado em matéria de recursos hídricos, já que conta com cerca de 12% da água superficial do Planeta – embora mais de 70% desses recursos estejam no bioma amazônico, que tem menos de 10% da população total. Mas, segundo a Agência Nacional de Águas, todas as bacias hidrográficas, da Bahia ao extremo Sul do País, estão em situação “crítica”, por poluição, assoreamento ou conflitos pelo uso. Impõe-se, portanto, uma postura de extrema cautela, ainda mais lembrando que cerca de metade da população nacional não conta em seus domicílios com redes de esgotos; e dos esgotos coletados, menos de 20% recebem algum tipo de tratamento (geralmente, apenas o primário, que só remove metade da carga orgânica e devolve o restante aos cursos dágua, sem tratar da poluição química e outros problemas). Outra grave questão está na ocupação das margens de rios e remoção da vegetação protetora, seja por atividades agrícolas, seja pela ocupação urbana – até mesmo nas margens de reservatórios destinados ao abastecimento das cidades.
Também na semana passada, esse problema esteve em evidência na comunicação em Goiânia e em São Paulo. Aqui, por causa do projeto de um complexo ecoturístico às margens do reservatório do Rio João de Leite, que deverá armazenar água para 1,5 milhão de pessoas. Em São Paulo, por causa do agravamento da situação às margens dos reservatórios de Guarapiranga e Billings (onde vivem, ilegalmente, 1,5 milhão de pessoas, ocupando 35% das áreas marginais), que abastecem 5 milhões de pessoas, das 6 represas do sistema Cantareira (que abastecem 2 milhões) e de várias outras no interior do Estado.
Nas discussões em Goiânia, alguns argumentos têm sido levantados para criticar a oposição da Saneago a um projeto ecoturístico que possa comprometer a qualidade das águas, assim como a outras propostas (transferência do Jardim Zoológico e do parque agropecuário de exposições para áreas próximas). Alega-se que os prefeitos de municípios vizinhos e algumas instituições não têm sido ouvidos e que em lugar do veto ao projeto se deveria pensar em utilizar ali compensações pagas por usinas hidrelétricas para adequar a área, entre outras razões.
Em artigo neste jornal (27/12/08), a promotora de Justiça Marta Moriya Loyola respondeu a vários desses argumentos e acrescentou muitas razões para preocupação com o projeto. Já hoje a condição das águas que fluirão para o reservatório é preocupante, até mesmo para quem queira banhar-se ali, tal o índice de fósforo, Escherichia coli e outros poluentes, boa parte provinda de agrotóxicos e fertilizantes carreados ao longo do curso, assim como dos esgotos domésticos e industriais despejados em uma bacia “de alta suscetibilidade a processos erosivos”. Fora o fato de as margens do reservatório estarem incluídas numa Área de Proteção Ambiental. A seu ver, é preciso respeitá-la e exigir a implantação de estações de tratamento de esgotos em aterros sanitários ao longo de toda a bacia.
Além disso, há argumentos já expostos pela Saneago e que continuam sem resposta. Como se vai pensar, por exemplo, em complexo ecoturístico ao lado de um reservatório que pode ter a cota de suas águas baixada ou elevada em mais de 10 metros? Como pensar em implantar ali qualquer coisa? E quem arcará com a triplicação do custo de tratamento das águas para torná-las adequadas ao consumo humano na cidade? Não dá para pensar em utilizar compensações pagas por usinas hidrelétricas, como tem sido argumentado: os recursos daí advindos são todos destinados à Agência Nacional de Águas. E desde que criada a compensação pela Lei de Recursos Hídricos, há mais de uma década, todos os pagamentos têm sido contingenciados pelo Tesouro Nacional, para ajudar o superávit fiscal, num volume maior até que o próprio orçamento da Agência Nacional de Águas (!).
É preciso ouvir todas as opiniões. Mas insistir: Goiás deve redobrar os cuidados com os recursos hídricos, principalmente com as bacias do Meia Ponte (já em situação muito crítica) e do João Leite – sem falar no Araguaia e em seu extraordinário potencial para um plano de desenvolvimento turístico e cultural. Segundo estudos do IBGE mencionados por este jornal (13/1/9), 59,3% dos municípios goianos enfrentam problemas com assoreamento de rios, lagoas e outros corpos dágua. Não podemos permitir que a situação da água no Estado se agrave mais. E o abastecimento humano – dizem todos os regulamentos no mundo e no País – deve ser o objetivo prioritário, anteceder qualquer outro. Todo cuidado é pouco.
Washington Novaes é jornalista.
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