sexta-feira, 24 de abril de 2009

Que fazer no João Leite

Washington Novaes - O Popular - 23/04/09

Teria sido de extrema utilidade para goianienses e seus vizinhos ouvir, há umas duas semanas, exposição feita para o corpo técnico da Saneago pelo prof. Galizia Tundisi, sobre a barragem no Rio João Leite, projetada para abastecer de água a capital até o ano 2025. O prof. Galizia Tundisi é um dos maiores especialistas em recursos hídricos no País, professor universitário, autor de 15 livros e mais de 300 trabalhos técnicos na área, consultor da ONU e de 38 países. E deixou muito claro, depois de estudar o projeto, visitar a bacia, avaliar muitas questões: 1. o reservatório não é de uso múltiplo (turismo, irrigação etc.); “é uma caixa d’água” apenas; 2. o custo para a sociedade do tratamento de água poderá ser multiplicado até por cinco, se não houver condução adequada do processo; 3. é indispensável conter a expansão urbana nas redondezas do reservatório, inclusive criando/implementando áreas de proteção permanente; 4. a população precisa ser esclarecida, para posicionar-se em defesa de seus interesses e do uso único como reservatório para o abastecimento urbano.

Nesse trabalho, pensa ele, será preciso, antes de encher o reservatório, que se cuide dos esgotos clandestinos despejados no João Leite, a montante, e que se tratem os esgotos urbanos que para ele vão; que se reduzam as fontes de erosão e assoreamento nos tributários do rio; que se impeça a deposição e acumulação de lixo urbano em sua área; que se eliminem focos de contaminação por fósforo e nitrogênio, principalmente nas lavouras; e que se remova toda a vegetação antes de encher o reservatório (em Tucuruí, por exemplo, onde nada disso foi feito, em cinco anos foi preciso trocar as turbinas da usina hidrelétrica, avariadas pelos sedimentos).

Na verdade, disse o prof. Tundisi, “já há um estado de degradação na bacia”, conforme mostra também o relatório técnico da própria Saneago, sobre a expansão urbana nas bacias dos mananciais em Goiás. Esse documento coloca a bacia do João Leite entre as consideradas em estado “crítico” (o mais grave). E nela já são altos os riscos de eutrofização do reservatório, com a proliferação de algas e outras plantas, em consequência do carreamento de matéria orgânica e outros sedimentos da montante. Além de aumentar muito o custo de tratamento da água, esse processo pode levar à redução da capacidade de armazenar água, à contaminação por vários poluentes (inclusive remédios, pílulas, hormônios, só removíveis com altíssimos custos), à disseminação de doenças veiculadas pela água.

“A gestão tem de ser drástica”, enfatizou o conferencista. Por isso, a Saneago precisa “encabeçar um processo de gestão da bacia”. E fazer uma campanha que mostre à população por que devem ser esses os caminhos, que eliminem ali outras hipóteses, inclusive a de um de um grande projeto de estruturas voltadas para o turismo. Já há problemas demais, além dos mencionados: lavouras irrigadas, confinamento de bois, pisciculturas, frigoríficos, entre outros. As perdas de solo em lavouras na bacia (que geram sedimentos carreados pelo rio) são calculadas em 20 toneladas por hectare/ano. Um projeto turístico no entorno agravaria muito a possibilidade de poluição, os custos etc.

Isso não quer dizer que o uso único do reservatório inviabilize qualquer atividade ou geração de renda na área. O reflorestamento e a montagem de viveiros são perfeitamente viáveis, assim como postos de trabalho no monitoramento e fiscalização, além de certas atividades de ecoturismo que não dependam de grandes estruturas. Além disso, é preciso calcular o valor dos serviços ambientais prestados pelo projeto. O prof. Tundisi citou como exemplos estudos da Universidade de São Paulo sobre o valor do ar puro na Região Metropolitana de São Paulo (onde morrem 20 pessoas por dia por doenças decorrentes da poluição atmosférica), assim como a remuneração que está sendo paga a agricultores da região de Nova York, para que ajudem a conservar um manancial e dispensem a implantação de uma nova barragem de abastecimento, muitas vezes mais cara. Em Extrema, Minas Gerais, esse exemplo começa a ser seguido.

O diagnóstico não poderia ter sido mais claro. As recomendações também não. Agora, a questão precisa ser colocada para a sociedade goianiense e goiana, para que cerre fileiras em torno da destinação mais adequada da área do reservatório, bem como defenda a implantação das medidas complementares ao longo da bacia, propostas pelo prof. Tundisi. E sem perder tempo: o enchimento do reservatório já tem data prevista. O risco é de redução da capacidade dessa “caixa d’água” e forte encarecimento dos custos de tratamento – que recairão sobre a sociedade, que os terá de pagar em suas contas mensais.

Washington Novaes é jornalista

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